O culto à tradição no fascismo eterno

#pracegover: foto de Umberto Eco. Sua barba é branca. Usa chapéu e óculos.
Créditos da imagem: https://brasil.estadao.com.br/blogs/macaco-eletrico/desculpe-umberto-eco/

A primeira característica do eterno fascismo apresentada por Umberto Eco em sua conferência denominada "Ur-fascismo" realizada 1995 é o culto à tradição ou o tradicionalismo.

Esse tradicionalismo é comum em correntes religiosas. Por exemplo: parte do catolicismo na França adotou uma postura tradicionalista como resposta à ação revolucionária contra a Igreja durante a Revolução Francesa. No entanto, Umberto Eco ressaltou mais o tradicionalismo surgido ainda na Idade Antiga  como uma reação ao racionalismo grego. Basicamente, consistia na crença de que haveria revelações misteriosas presentes desde as origens da humanidade. Trata-se de um conhecimento místico, por muito tempo oculto, cujos adeptos seriam capazes de ler as alegorias sobre essa verdade, muitas vezes presente de forma sincrética em coisas muito diferentes.

Segundo Eco, a consequência dessa visão tradicionalista é que o conhecimento verdadeiro já está posto, embora oculto. Assim, o conhecimento não seria algo a ser aprimorado. Basta apenas, desvendar o que está oculto. Outra consequência do tradicionalismo é que ele estimula teorias e discursos conspiratórios como demonstração dessas verdades ocultas.

Esse tradicionalismo utilizado pelo nazifascismo histórico é uma das características do fascismo eterno.

Vamos recompor esta discussão. Em 1995 Umberto Eco não desenvolveu o culto à tradição na perspectiva religiosa. Porém, vemos o quanto ela se faz presente na atualidade. Partidos e políticos autoritários se colocam como os defensores da tradição da família cristã e da moral religiosa, sobretudo sexual. Nesse sentido, os valores cristãos são ameaçados por uma série de inimigos. Esta postura é perfeitamente compreensível em uma perspectiva intra-religiosa, interna à religião. No entanto, o fascismo eterno faz disto uma bandeira política, uma ação de governo e a identifica com o Estado nacional. Assim, qualquer grupo ou ideia contrária à tradição cristã é uma ameaça à própria nacionalidade. Grupos religiosos são facilmente cooptados por esse posicionamento político em defesa de valores cristãos e costumam relativizar a truculência, o desprezo à democracia, aos direitos humanos e a incompetência administrativa de quem os governa. Basta que o líder aja em nome dessa moralidade.

E a parcela da população não religiosa ou pouco sensível a moral cristã? Ela também é cooptada pelo tradicionalismo na segunda dimensão exposta por Umberto Eco. A crença em verdades ocultas também atrai. As teorias conspiratórias tornam-se prato cheio para os negacionistas. E aqui o leque é grande: movimentos contra vacinas, mudanças climáticas, globalismo, comunismo e a defesa apaixonada de tudo o que foge ao bom senso.

É impressionante como o pensamento de Umberto Eco ilumina as nossas mazelas.

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