Por que os cristãos eram perseguidos no Império Romano?

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Esta é a pergunta que o historiador Ste. Croix se propôs responder investigando exclusivamente fontes romanas.
Bem, em 64 d.C. Roma foi incendiada por Nero. Acredita-se que ele fez isso para construir seu palácio. O detalhe é que o imperador pôs a culpa nos cristãos, o que iniciou a primeira perseguição comprovada contra eles. Além de serem acusados de incendiários, através dos escritos de Tácito e de Suetônio sabemos que os cristãos foram acusados de odiarem a espécie humana. As fontes também relatam que eles eram odiados pelo povo por suas abominações. Ou seja, para os romanos os cristãos eram capazes de cometer crimes terríveis! Logo, eram perigosos. Então, dá pra entender por que bastava a acusação de ser cristão para alguém ser julgado. Ao que tudo indica, havia um ódio popular contra eles que levavam as autoridades a agir. Ser cristão era suficiente para sofrer punição.

Depois de Nero, sabemos que durante o principado de Domiciano (81-96 d.C.) os cristãos foram acusados de deslealdade política, motivada quando o culto ao imperador foi reforçado na Ásia Menor, onde se encontravam muitas comunidades cristãs. Assim, sob Domiciano, cristãos foram mortos por não cultuarem o imperador. Geralmente, é isso que pensamos como principal causa das perseguições: os cristãos eram mortos porque não reconheciam o imperador como deus. Na verdade, a documentação revela que esta não era a prática corrente ou fator decisivo para os martírios. Afinal,  era comum os imperadores receberem culto somente após a sua morte.
Assim, a causa maior que motivava as perseguições era a negação de sacrificar aos deuses. Em relação ao culto imperial os registros revelam que se tratava da negação de juramento ao seu gênio (uma espécie de espírito ancestral protetor) ou a negação do sacrifício aos deuses em seu nome.

Outra questão curiosa é que todo esse procedimento, quando necessário, ocorria dentro da legalidade. Isso significa que o processo judicial que os cristãos sofriam era baseado nos mesmos procedimentos para qualquer outro crime. Não se configurava do ponto de vista legal em uma ação arbitrária por parte do Estado.
Nas províncias, os julgamentos mais importantes eram feitos diante dos governadores. Já em Roma, eles aconteciam diante do prefeito da cidade.
Um cidadão romano poderia apelar para um segundo julgamento diante do imperador. Mas a partir da documentação não dá pra dizer que isso acontecia com os cristãos. Então dá pra pensar duas coisas:
  1. Nenhum caso foi considerado de grande importância por parte das autoridades, a ponto de ser necessário um segundo julgamento pelo imperador. 
  2. Ou, o que mais provável: os cristãos não apelavam por que o martírio era a forma mais perfeita de se associarem aos sofrimentos de Jesus Cristo. 
Outra questão curiosa. Tudo indica que nunca houve uma lei geral contra o cristianismo que valesse para todo o Império, exceto no breve período em que as perseguições foram orquestradas diretamente pelos imperadores.
Na maior parte do tempo, as perseguições foram locais e não gerais para todo o território imperial. Além disso, um governador não podia tomar iniciativa nas perseguições. Era necessária uma denúncia e o delator tinha de agir com prudência, pois uma acusação falsa ou ausência de provas incorria em crime de calúnia. Isso fica claro na resposta do Imperador Trajano a uma carta enviada em 112 d.C. por Plínio, que ocupava a função de legado imperial na Bitínia e no Ponto. Trajano orienta a não procurar os cristãos para puni-los, mas apenas agir mediante uma denúncia.
No entanto, este tipo orientação poderia ser ignorada, como aconteceu nas perseguições de Lião e de Viena ocorridas em 177 d.C. por mando do governador. E quando um governador dava ordem de perseguição ele não estava descumprindo a lei, uma vez que ele não era obrigado a seguir uma determinação de um imperador anterior.

Tudo dependia da abrangência da convulsão social provocada pela presença dos cristãos em uma dada região. O rigor do governador era proporcional à fúria da população contra os cristãos. Se um governador se recusasse a fazer o que o povo esperava, se tornava impopular. A indignação geral contra os cristãos podia provocar motins e linchamentos. Uma vez desencadeada a violência, qualquer coisa poderia acontecer. Assim, se tratava de um problema bem pragmático, ainda que o cristianismo fosse ilegal. O objetivo básico da autoridade romana era manter a ordem na província. Se a presença dos cristãos não motivasse distúrbios civis, não haveria razão para um governador ordenar perseguições. No entanto, o fato de não haver razões concretas para uma perseguição não significava que os cristãos eram aceitos pelos romanos. Ao contrário, as autoridades suspeitavam deles. Os motivos para isso eram: 
  1. As autoridades os consideram maus homens porque adoravam um homem que foi crucificado pelo Governador da Judeia por crime político;
  2. A lealdade dos cristãos ao Estado era colocada em dúvida por se negarem a jurar pelo gênio do imperador;
  3. Falavam sempre sobre o fim do mundo, mentalidade muito ruim para o Império;
  4. Sabiam que em seus livros verificava-se um ódio a Roma (sob o disfarce de Babilônia), cuja ruína era profetizada;
  5. E, finalmente, seus ritos secretos eram considerados como conspirações políticas e comportamento antissocial.
Diante desse quadro, não era difícil um governador condenar um cristão por traição, ainda que não era nada disso o que estava ocorrendo. Segundo, Ste. Croix, bastava um acusador alegar a existência do cristianismo e um governador disposto a punir os cristãos por considerar necessário.

Outra coisa muito interessante que geralmente, não pensamos: O sacrifício aos deuses era uma prova para constatar que realmente não era cristão quem negava ser. Tal prática (não apenas usada contra cristãos) era acompanhada de tortura e com Marco Aurélio (161-180) passou a ser aplicada a todas as pessoas de classe baixa, cidadãos ou não. Essa medida tinha como objetivo fazer a pessoa apostatar e não fazer dela um mártir.
Daí, Ste. Croix deduzir que se um governador quisesse realmente condenar um cristão não poderia torturá-lo, pois abriria uma oportunidade para a apostasia, da qual, uma vez assumida, decorria a liberdade imediata do acusado.
No entanto, é preciso considerar a importância do martírio no imaginário cristão, assumido em grande parte sem resistência.

Por que as massas populares exigiam e até iniciavam as perseguições?
O ponto principal é que o monoteísmo cristão punha em perigo a pax deorum. Por serem impiedosos aos deuses romanos, isto é, não nutrir piedade aos deuses romanos, os  cristãos atraíam os castigos das divindades. Esta seria a causa de desastres de qualquer natureza. Ainda que não houvesse legalmente a obrigação dos habitantes do império (cidadãos ou não) de realizarem os cultos públicos, até os magistrados e os senadores se obrigavam a tais práticas. Era de bom tom demonstrar publicamente respeito às tradições religiosas dos antepassados e piedade aos deuses. Os cristãos negando participar dos cultos públicos se posicionavam abertamente contra a religião do império e contra os deuses. Isso os colocavam à margem do Estado, pois os cultos religiosos eram atos cívicos, isto é, demonstrações concretas de identidade coletiva e lealdade ao Estado. Eles negavam respeitar a tradição dos antepassados. Portanto, do ponto de vista romano fica claro por que o governo perseguia os cristãos.
Entretanto, é necessário reconhecer que, excetuando os principados de Valeriano (253-260) e de Diocleciano (284-305) em nenhum momento os cristãos foram impedidos de cultuar seu Deus privadamente.

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