A Utopia de Thomas More

Créditos da imagem: https://livroecafe.com

O livro Utopia de Thomas More (1478-1535) alimentou durante um bom tempo uma disputa entre católicos e comunistas. Escrita em 1516, Utopia fez com que More fosse considerado entre os comunistas o primeiro socialista utópico, tendo o seu nome escrito entre os heróis revolucionários em uma coluna na Praça Vermelha em Moscou. Por outro lado, o escritor humanista, considerado santo entre os católicos, foi beatificado em 1886 e canonizado em 1935. Com o desmoronamento da URSS essa disputa deixou de existir.
Basicamente, essa intrigante polêmica girava ao redor de diferentes interpretações sobre o sentido da obra. Pensadores comunistas como Karl Kautsky defendia que Morus foi o precursor do socialismo moderno, pois ele se posicionava contra a propriedade privada. Em contrapartida, pensadores católicos como R. W. Chambers afirmava que Morus, diante de uma sociedade moderna declinante, procurava restaurar os valores de solidariedade da cristandade medieval. Assim, a questão não era a construção de um Estado ideal, mas apresentar Utopia como uma sociedade pagã virtuosa para causar vergonha entre os leitores cristãos.
Na interpretação comunista, Thomas More antecipou um sistema ideal de governo. Na interpretação católica, Morus alertava a sociedade cristã na Inglaterra, cujos atos não eram nem um pouco melhores daqueles considerados pagãos.
Essa polêmica não apenas diz respeito ao estilo de vida dos moradores de Utopia, mas à crítica de More à sociedade inglesa do seu tempo.
Em um dado momento, o personagem central de Utopia Rafael Hitlodeu diz ser contra a punição à forca daqueles que cometiam roubo. Era necessário acabar com as causas dos crimes, isto é, as injustiças que assolavam o país.
Parece que Morus, na voz de Rafael, defendia que os problemas do país não vinham de um castigo divino, mas de causas bem concretas: a avareza dos ricos criadores de ovelhas.
"Estes animais, tão dóceis e tão sóbrios em qualquer outra parte, são entre vós de tão sorte vorazes que devoram mesmo os homens e despovoam os campos, as casas e as aldeias. De fato, a todos os pontos do reino, onde se recolhe a lã mais fina e mais preciosa, acorrem, em disputas do terreno, os nobres, os ricos e até os santos abades (...) Eles subtraem vários tratos de terra da agricultura e os converte em pastagens".
Essa ganância geradora de miséria cairia como uma luva na interpretação comunista da obra.
Outra questão polêmica em disputa interpretativa era o próprio modo de organização da sociedade utopiana. O historiador Quentin Skinner aborda que
"o principal fundamento elogiado por Hitlodeu consiste numa vida e subsistência comunais onde não há qualquer troca de dinheiro (...) que a única via que pode haver para o bem generalizado reside na supressão de todas as formas de graus e na manutenção da igualdade a todos os propósitos (...) conclui proclamando que a estrutura de sua sociedade, baseada na supressão de todas as hierarquias sociais, não é apenas a melhor, mas também a única que se possa reivindicar, com direito, o nome de República".
Além disso, próprio Rafael Hitlodeu diz no início de seu relato sobre a ilha de Utopia:
"parece-me que, onde tiver propriedade privada e todos os homens medirem as coisas pelos valores do dinheiro, será quase impossível uma república ter justiça ou prosperidade".
Evidentemente, qualquer tentativa de enquadrar Thomas More como um socialista utópico é anacrônica. Como um homem da Igreja, ao falar de uma sociedade que tinha tudo em comum, Morus se aproximava mais das características da Igreja Primitiva, conhecida pelos cristãos e não da antecipação visionária de uma nova forma de regime político e econômico, o socialismo.
Isso não torna o pensamento de Morus menos inovador. Talvez, sua visão de cristianismo muito articulada à realidade sociopolítica faria dele um antecipador da doutrina social da Igreja. Disse Morus:
"Os ricos diminuem a cada dia alguma coisa no salário dos pobres, não só por meio de manobras fraudulentas, mas ainda decretando leis para tal fim (...) É por isso que, quando observo as repúblicas mais florescentes, hoje, não vejo, Deus me perdoe, senão uma conspiração de ricos a gerir do melhor modo os seus negócios sob o rótulo e título pomposo de república".
Muito atual, não?

Para saber mais sobre Thomas More:






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

História em debate: Anarquismo

O calendário da Revolução Francesa

O povo e a ralé em Hannah Arendt

As obrigações do vassalo

Assine a nossa newsletter

Siga-nos nas redes sociais

Style Social Media Buttons