A inocência dos muçulmanos e a liberdade de expressão

O filme A inocência dos muçulmanos, ao que tudo indica filmado na Califórnia, produzido e dirigido por Nakoula Basselet Nakoula, continua provocando protestos pacíficos e violentos em várias regiões do mundo.

Só pelo trailer dá pra perceber que o filme é tosco. Porém, mesmo se fosse bem produzido provocaria indignação igual ou maior.

Este episódio é emblemático, pois representa muito bem como é o olhar ocidental sobre os muçulmanos. E as perguntas que todos fazem: esse filme justifica tamanha violência? Esses muçulmanos não têm senso de humor? Só por que não concordam com o filme eles pensam que podem atacar as embaixadas norteamericanas e matar gente que não possui nenhuma ligação direta com isso? E mesmo se tivessem alguma ligação, onde está a liberdade de expressão?

Particularmente, penso que as questões não são estas. A questão central é que este episódio faz parte de um conjunto de ações e de mentalidades gestadas no Ocidente contra o Islã que se prolongam por séculos e são marcadamente negativas. Não se trata de uma reação desmedida feita por um bando de desajustados. Não é um evento isolado. Ele está inserido num conjunto de ações. Os muçulmanos se opõem ao modo de como o Ocidente os vê. Se opõem a uma lógica ocidental caricaturada, perversa, degradante e sempre pejorativa presentes no modo como são retratados e na forma como a sua religião é compreendida.

Isso não é difícil de constatar. Geralmente, no Ocidente os muçulmanos só são "notícia" quando as bombas explodem. Esta é a visão que temos deles, visão fabricada em grande parte: são fanáticos, violentos, atrasados, oprimem as mulheres, são ignorantes e adoram explodir bombas. O filme repete esteriótipos e acusações gestadas no Ocidente deste os tempos medievais. Maomé é um mulherengo pervertido. Por quê? Ora, os muçulmanos podem ter até 4 mulheres! Somos incapazes de compreender (na verdade nem nos importamos) que este costume, quando surgiu foi um bem, um avanço para assistir e proteger as mulheres que ficavam sozinhas ao perderem seus maridos em constantes guerras entre tribos. Ou ainda, Maomé apresentado como um sujeito estúpido, ignorante e oportunista (afinal, ele não era analfabeto?) E vai além... Maomé apresentado como um pedófilo (ora, ele não se casou com uma criança de 6 anos! Que absurdo!) E mais. O filme até sugere homossexualismo.

Enfim, o Ocidente solapa tudo... a tradição, a cultura, a história e condena toda reação contrária sob a égide da liberdade e da democracia! O quê? Você está aprovando a violência? Claro que não! Já disse que esta não é a questão. O que critico é a nossa visão altiva e míope que não consegue perceber o quanto contribuímos para o ódio dos muçulmanos sobre nós.

Há ainda uma outra questão, uma provocação, vai... Tudo pode ser feito em nome da liberdade de expressão? Não há limites? Alguns dirão: os limites já existem e estão postos. Não se pode veicular conteúdos que fomentem a violência, a discriminação, o abuso de menores... Ora, não é estranho o fato da discriminação religiosa não fazer parte desta lista? Até faz, mas não foi aplicada neste caso. O pensamento mais inteligente que li a respeito desse evento foi dado por D. Arcipreste Vsevolod Chaplin do Patriarcado Ortodoxo Russo: "Pessoalmente creio que as contínuas ações na Catedral de Cristo Salvador, a divulgação de um filme que insulta o fundador do islamismo, os ataques contras as embaixadas estadunidenses e as suásticas nas paredes das sinagogas sejam elos da mesma corrente. (...) Quando se profana um símbolo importante para uma comunidade, se procura diminuir e desencorajar toda a comunidade".

Ora, há liberdade de expressão para isso?

Comentários

Anônimo disse…
Mas se existe uma restrição de conteúdos que podem ser exibidos isso já não é liberdade de expressão. O que falta e conscientizar as pessoas das culturas dos outros povos a fim de diminuir os preconceitos e os esteriótipos.

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