A relação passado e presente

Crédito da imagem: https://www.franceinter.fr/emissions/la-marche-de-l-histoire/la-marche-de-l-histoire-26-juin-2020

 A compreensão sobre o tempo é um problema filosófico já presente nas "Confissões" de Santo Agostinho:

O que é realmente o tempo? Quem poderia explicá-lo de modo fácil e breve? Quem poderia captar o seu conceito, para exprimi-lo em palavras? No entanto, que assunto mais familiar conhecido em nossas conversações? Sem dúvida, nós o compreendemos quando dele falamos, e compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei (Confissões, XI,14.17).
Santo Agostinho deixa claro como que as palavras são insuficientes para explicar algumas coisas. Mesmo o tempo sendo algo tão familiar e corriqueiro, não conseguimos defini-lo muito bem. Trata-se de uma reflexão filosófica que foge da análise histórica. Marc Bloch em seu livro "Apologia da História ou o ofício do historiador", nega a definição de História como a ciência do passado, ou seja, que estuda o passado. Segundo ele, "a própria ideia de que o passado possa ser objeto da ciência é absurda". Ora, se toda a produção de conhecimento se faz no tempo presente, como poderia a História estudar o passado? A rigor, o passado não existe. Como estudar cientificamente algo que não existe objetivamente?

A dificuldade sobre o presente não é menor. Diz Bloch: "O que é, com efeito, o presente? No infinito da duração, um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras e meus atos naufragam no reino de Memória". Se o passado não existe e o presente constantemente deixa de existir, compreender a História como uma ciência que estuda o homem no tempo torna-se bem instigante. 

Para o historiador, o tempo não é apenas uma medida, ou seja, a forma de medir uma duração. Nas palavras de Bloch, o tempo "é o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade". Assim, as ações humanas, objeto da história, estão encravadas nesse plasma de tempo, um tempo histórico no qual se opera a compreensão. Segundo Bloch, esse tempo histórico é continuum e perpétua mudança.

Os fenômenos humanos estão repletos de continuidade, transição, mudança e ruptura. Cabe ao historiador, em cada tempo presente, formular problemas (a partir do presente) e navegar nesse plasma do tempo histórico em eterna busca, para compreender os fenômenos sociais e a atuação humana a partir dos vestígios documentais, interrogando-os criticamente.

No estudo introdutório a este livro de Marc Bloch, Jacques Le Goff sintetizou muito bem essa relação entre passado e presente: compreender o presente pelo passado e compreender o passado pelo presente. Naturalmente, aceitamos melhor a primeira frase, pois partimos do pressuposto de que determinadas causas geram determinados efeitos. Assim, se o presente resulta do passado, o passado o explica. A segunda frase costuma causar maior estranhamento. Porém, dado que não podemos aceitar cegamente os testemunhos documentais do passado, é a postura de análise investigativa e crítica feita pelo historiador no tempo presente que o norteia nesse plasma do tempo histórico.

Para saber mais


 

 

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