Banheiros da USP e a internet

Certa vez, ainda na faculdade, entrei no banheiro e me deparei com um rapaz portando uma filmadora ligada!!! Logo ele percebeu meu espanto, pois ninguém espera ser filmado enquanto urina... Disse-me para ficar tranqüilo. Ele se apresentou como um estudante da ECA e estava fazendo um trabalho de graduação, um curta, cuja temática era os recadinhos encontrados nos banheiros da USP. Para mim, os banheiros da USP ofereciam uma distinta oportunidade de contemplar a obra acadêmica enquanto se obra. Então, eu achei a idéia genial e não me importei em ser entrevistado - sem realizar o que eu pretendia fazer ali, é claro.
Ele me perguntou o que eu pensava sobre todas aquelas coisas escritas nos banheiros. Eu disse que, geralmente, achava muito divertido aquelas discussões entre comunistas e anticomunistas, críticas a organização (ou desorganização) da USP, os atributos dados a alguns professores... uma verdadeira obra coletiva.
Depois, ele me perguntou se eu acreditava naqueles recadinhos com telefone ou e-mail para contato logo abaixo de alguma descrição fálica ou esférica. Repondi que todos aqueles recadinhos picantes poderiam ser verdadeiros, mas que preferia acreditar que alguém deixava lá o telefone de outra pessoa só pra sacanear...
Ele pediu para que eu finalizasse minha primeira e única entrevista - a saber, hiper inusitada - dizendo o que me chamava mais atenção em todos aqueles escritos. Então, demonstrando possuir uma "apurada mente reflexiva" (mesmo naquelas circunstâncias), disse que o que mais me impressionava era perceber como que nesta atitude se manifestavam os valentões do anonimato, com críticas e idéias truncadas feitas de forma muito violenta e agressiva contra o seu debatedor. Ali estavam prolongados diálogos que jamais aconteceriam daquela forma olho-a-olho, mas que o anonimato tornavam possíveis.
Bom, eu me lembrei de tudo isso enquanto pensava na violência verbal e moral que são disseminadas pela internet em sites de relacionamento e em blogs. Essa difamação agressiva é cada vez mais comum entre os adolescentes que se escondem atrás do anonimato. São os banheiros da USP virtuais.

Comentários

Elis Zampieri disse…
Muito interessante a analogia professor Daniel...Realmente, no anonimato tudo se torna possível, até comentários maldosos nas nossas postagens, uma covardia. Alguém que não lembro quem, definiu o anonimato como: "Você leva um soco nas costas, olha pra trás e não vê ninguém".Optei pela moderação nos meus comentários, há quem diga que isso atrapalha, pode ser, mesmo sendo, considero um mal necessário.
Daniel Giandoso disse…
Pois é Elis.
Tive de ativar a moderação no blog que fiz para os alunos pelos xingamentos que fazem a mim e aos colegas. Lamentável.
Fá Giandoso disse…
Num banheiro de teatro onde ensaiava, sempre na hora do xixi ria muito lendo os recadinhos da porta...
Tinha um que me divertia, ficava imaginando...
Dizia: "Glória Pires esteve aqui".
Fátima Campilho disse…
Gostei muito da maneira como você encaminhou sua análise do acontecimento em questão.
Infelizmente, a falta de ética se tornou corriqueira e muitos consideram tudo normal.
Tenho uma colega que levou seu livro para uma editora sem registrar no ISBN porque disse que fica "mais barato", porém também nãosabia quanto custava. Acho que não é bem assim. Parece que a Fátima Franco tem livro publicado. Acho que ela poderia ajudar a esclarecer.
Abraços.

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