Canudos não se rendeu


Em 14 março de 1897 Euclides da Cunha publicou o artigo "A nossa Vendéia" no jornal O Estado de S. Paulo (na época Província). Depois foi enviado pelo jornal como correspondente de guerra à Canudos. Este artigo dividido em duas partes faz menção à Revolta da Vendéia (departamento francês) cujos habitantes (que não aceitaram a queda da monarquia) levantaram-se contra a República instalada pela Revolução Francesa numa guerra civil que só terminaria em 1799. Muitos identificavam essa revolta a um fanatismo religioso alimentado pelo clero local.

Então, Canudos nada mais era do que um bando de fanáticos incapazes de reconhecer os avanços decorrentes do governo republicano. Ao descrever a geografia e a topografia da região, Euclides da Cunha disse que o sertanejo é um produto deste meio, e que, "como na Vendéia o fanatismo religioso que domina as suas almas ingênuas e simples é habilmente aproveitado pelos propagandistas do império". Ora, o grande propagandista do Império seria Antônio Conselheiro, que na visão do escritor era "o mais sério inimigo das forças republicanas".

Republicano convicto, Euclides da Cunha sintetizou o pensamento corrente entre as elites do sul: Canudos representava uma grande ameaça para a soberania da República. Esta visão de quem estava distante, mudaria completamente ao chegar em Canudos no final da 4a expedição para cobrir a guerra. Em "Os Sertões", sob a atmosfera do horror dos conflitos, Euclides da Cunha reformulará sua posição inicial: "Aquela Campanha de Canudos lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo".

Ciente da ação criminosa do governo republicano contra uma população desvalida e carente, Euclides da Cunha percebeu que Canudos não se tratava de um problema político, mas de um problema social. Canudos foi resultado de um descaso secular do governo brasileiro, alimentada pela exploração dos chefes locais, os chamados coronéis. Seguir Antônio Conselheiro, não era seguir uma tendência política, mas alcançar concretamente uma forma de vida melhor, ainda que austera.

Se em "A nossa Vendéia" Euclides nutria uma profunda admiração pelo Exército Brasileiro exaltando a bravura e a persistência dos soldados diante de um clima e de uma geografia hostil, como vemos em suas palavras "A marcha do exército nacional, a partir de Geremoabo e Monte Santo até Canudos, já constitui por isto um fato proeminente na nossa história militar. É uma pagina vibrante de abnegação e heroísmo", em "Os Sertões", Euclides denuncia o fanatismo e a violência desmedida dos soldados, além da covardia.

"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento (...) quando caíram seus últimos defensores, quando todos morreram. Eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...)"


Leia também


Comentários

Atílio disse…
Obrigado professor Daniel já lhe linkei entre os parceiros, um bom dia.
Kika Taylor disse…
" Canudos não se rendeu" me fez compreender bem essa parte ^^, Obrigada!

Postagens mais visitadas deste blog

História em debate: Anarquismo

O calendário da Revolução Francesa

O povo e a ralé em Hannah Arendt

As obrigações do vassalo

Assine a nossa newsletter

Siga-nos nas redes sociais

Style Social Media Buttons