Toquinho e os papéis ao vento

“O que está escrito em mim Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer. 
A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer. 
Só peço a você um favor, se puder: 
Não me esqueça num canto qualquer”.O caderno, Toquinho - Mutinho

O final das aulas nas escolas públicas é acompanhado por um triste fenômeno cada vez mais comum: a destruição de cadernos por parte dos alunos. As ruas e as calçadas ficam repletas de folhas. Toda tentativa para evitar o ato não tem sido eficiente. A razão é óbvia: modelar comportamentos pela repreensão ou ameaça e não pela conscientização está fadado ao fracasso em qualquer instância. Agora, o despertar da consciência só se opera no âmbito educativo, seja familiar, seja escolar. Logo, tal comportamento é sintomático, pois sinaliza a crise do sistema educacional brasileiro que vem de longa data e que, infelizmente, não dá mostras de um futuro promissor.
A destruição dos cadernos, antes de ser um descaso com o meio ambiente, possui um valor simbólico preocupante. O caderno representa uma compilação, uma síntese do conhecimento; representa, ainda, uma fonte rápida de estudos, de informações básicas e acima de tudo, uma trajetória do amadurecimento intelectual do aluno. Ele é um registro da formação recebida que, evidentemente, não se restringe somente a esse meio. É claro que as páginas lançadas ao vento é demonstração de que o caderno perdeu todo esse significado, e que, na maioria dos casos, nunca chegou a possuir. Nos desfazemos daquilo que para nós já não tem importância. Os cadernos para esses alunos nunca tiveram importância. Mas isso é simbólico: na verdade, é o conhecimento que nunca teve importância. Para muitos, a escola representa apenas um espaço alternativo (às vezes o único) de sociabilização. Então, na maioria dos casos, se constata a absurda realidade do sistema educacional brasileiro baseado numa relação de ensino e aprendizagem em que o conhecimento não é importante. Os alunos passam pela escola. Exagero? Visão alarmista? Excesso de pessimismo? Bom, talvez, a destruição dos cadernos signifique somente uma atitude inconsequente dentre muitas outras. Não creio. Trata-se de uma resposta a uma escola que não possuiu nenhum significado na vida do aluno; um lugar que ele não deseja estar e por isso “protesta” ou “festeja” jogando nas ruas o objeto que a representa.
É comum dizer que a escola pública de antigamente era de primeira qualidade. Porém, poucos nela estudavam. Hoje, acontece o contrário. As duas realidades, a do passado e a do presente são indesejáveis. A primeira era excludente, atendia a elite e gerava uma massa de submissos ignorantes. A segunda (de hoje) democratizou o ensino, aumentou as estatísticas do governo, mas continua gerando uma massa de não sabedores que a nada se submetem.
Assim, o trágico fim do caderno nas lindas palavras de Toquinho, que pedia para não ser esquecido num canto qualquer, hoje é o que os cadernos mais desejam.

Comentários

Anônimo disse…
Daniel,esse ano passou muito rápido,e eu quero te agradecer, pelas suas aulas, provas, indicações de filmes: "Amelie" e o "Filho da Noiva", eu percebi que eu não estava aproveitando as pequenas coisas, que também são importantes.

Foi um prazer tê-lo como professor esse ano!
Te desejo muito sucesso,feliz Natal e Ano Novo.

FERNANDA- 8ªA- IMACULADA
Daniel Giandoso disse…
Fernanda
Para mim, foi um grande privilégio ter sido seu professor.
Unknown disse…
Olá Daniel, muito boa essa análise. Parece que as escolas de lá são muito parecidas com as de cá. Vc escreve muito bem. Já anexei o link do seu blog em minha página. Grande abraço, feliz natal (se for cristão). Em 2008 vamos trocar muitas idéias.
www.douglasfranzen.blogspot.com

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